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Curadoria: André Arçari

“A natureza que fala à câmera não é a mesma que fala ao olhar; é outra,
especialmente porque substitui a um espaço trabalhado conscientemente pelo
homem, um espaço que ele percorre inconscientemente”.
Walter Benjamin

O conjunto fotográfico apresentado nesta exposição trata-se de uma seleção de 20 imagens, realizada a partir de um acervo composto por mais de 180 fotografias, de obras que, em parte, estiveram presentes a mostra individual intitulada Ekkehard Grote. Uma exposição realizada por este fotógrafo alemão há exatos 35 anos, na extinta Itaú Galeria de Arte (Vitória-ES), entre março e abril de 1987.

Essas imagens, tal como estão dispostas no espaço, têm sua montagem à equivalência de uma composição de jazz com notas elencadas por uma mistura rítmica e arranjo improvisado. Entre consonantes e dissonantes; intensos sons e profundos silêncios; opacidade e transparência; forma e informe; figura e fundo.

Em sua apresentação de 1987, Grote identificou tais fotos apenas com o nome da cidade e do país, e, por fim, as conferiu uma ordem numérica. Dessa lógica sequenciada vemos um fotógrafo que atravessou a Europa até chegar à América Latina. Nesse vasto acervo temos captações feitas na Alemanha, Áustria, Itália, Estados Unidos, Equador, Peru e Brasil.

Por sua vez, os assuntos registrados atravessam um grande espectro visual. Na Berlim ocidental, um rosto policial alemão em contra-plongée que não posa para a imagem. Em Nova York, Grote foi atrás do controverso político norte-americano Richard Nixon. Em Roma, captou a imagem do carismático Papa
João Paulo II. Entre eles, figuras desconhecidas em dupla exposição na paisagem urbana. Janelas de um prédio na Berlin Oriental com vista para algum lugar próximo à Rotes Rathaus, a sede da Prefeitura da RDA. O portão de Brandenburgo em estourada contraluz.

Figuras centrais desfocadas e fundos em foco enquadrados das mais variadas formas. Imagens estranhas às regras canônicas da composição com seus assuntos de enquadre ora cortados e deslocados. Acontecimentos desviantes, erráticos. Transeuntes em ritmo de passagem. Eremitas espanhóis em peregrinação. Jogos de ângulos e luzes frente à arquitetura da cidade revelam prédios, como as icônicas Torres Gêmeas, que hoje não mais existem, ou recortes da arquitetura de São Paulo.

Imagens em ambientes externos e internos, manifestações coletivas em espaços públicos e, enfim, contatos pessoais de amizade, como aquele genuíno encontro em Morro de São Paulo-BA, que mais tarde levaria o jovem Tadeu Bianconi a uma jornada de imersão inversa, quando de sua recém-formação no curso de Comunicação Social realizado na Ufes. É justamente dessa troca que Bianconi realiza sua iniciação fotográfica, quando de sua escolha de ir para a Alemanha afim de aprender o labor fotográfico com este que se tornaria seu mentor, e que ensinou e compartilhou suas práticas e processos, Ekkehard Grote.

Benjamin nos fala em sua Pequena História da Fotografia que o tempo absorve as imagens, o aqui e agora do real fotográfico irá consumir a imagem para, posteriormente, a encontrar com seu futuro, de modo que apenas descobrimos esta relação paradoxal com um olhar para trás. Uma imagem contém passado, presente e futuro, pois está sempre diante da matéria-tempo que não cessa de se atualizar. Assim nos colocaríamos face a uma arqueologia da imagem; menos uma escavação interessada em reconstituir uma grande imagem-fóssil, mais àquela que busca exibir fragmentos em detrimento da totalidade. De um tempo incrustrado em outro, de pedaços de imagens do passado-presente.

Esta exposição tem como principal intuito atualizar a memória do período que Grote registrou com seu olhar expandido, esses instantes de sua contínua jornada nos anos de 1980, aquilo que convencionamos a chamar de mundo, ou ao menos por uma parte dele. Em síntese: imagens entre o testemunho do tempo e o espírito do tempo [bilder zwischen Zeugnis der Zeit und Zeitgeist].